O incêndio conseguiu mobilizar a cidade de São Paulo no sentido da solidariedade e ajuda aos familiares dos mortos e apoio aos feridos.
Mesmo para quem não ficou ferido houve muita solidariedade.
Vários funcionários do Crefisul deram plantão nas portas dos hospitais e no IML, para ajudar a encontrar quem ainda não havia sido localizado. Eu mesmo passei algum tempo no IML tentando ajudar em alguma coisa no atendimento aos familiares.
O INSS por exemplo, montou uma força-tarefa para dar apoio e agilizar a pensão para as viúvas ou viúvos de quem havia morrido no incêndio.
As seguradoras também agilizaram as indenizações.
No meu caso aconteceu uma coisa interessante. Não era meu hábito deixar documentos pessoais no Crefisul, mas alguns documentos como a Carteira de Trabalho, Título de Eleitor e Certificado de Reservista estavam numa gaveta da minha mesa de trabalho.
Eu fiquei apenas com minha Identidade e Carteira de Habilitação.
Depois de alguns dias comecei a tirar a segunda via desses documentos.
CARTEIRA DE TRABALHO – Tirei facilmente. Havia uma enorme boa vontade de todos. Assim que tirei essa segunda via, minha tia Sumaya se prontificou a ir aos meus trabalhos anteriores reconstituir os registros. Eu não estava muito preocupado com isso aos 27 anos, mas minha tia falou:
- Você vai precisar disso para sua aposentadoria!
E lá foi ela na Brasconsult, Usiminas e Granco e reconstituiu todos os registros.
TÍTULO DE ELEITOR – Ainda era a ditadura brava. Não havia ainda votado em ninguém. Não havia eleições para prefeito das capitais, governadores e presidente. Havia apenas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais.
Eu havia anulado todos os meus votos até então. E era voto em papel e eu podia escrever meus protestos solitários.
Meus votos até então foram os seguintes:
1.966 – CASTELO BUNDA SUJA!
1.968 – UNE!
1.970 – NINGUÉM SEGURA ESTE PUTEIRO!
(protesto contra o slogan “Ninguém segura este país”, da Ditadura)
1.972 – POR UMA REVOLUÇÃO SOCIALISTA!
Mesmo assim tirei a segunda via do Título Eleitoral, e coincidência ou não, nas eleições de 1.974 foi a primeira vez que não anulei o voto. Votei nos autênticos do MDB.
CERTIFICADO DE RESERVISTA – Fui tirar a segunda via desse certificado numa unidade do Exército (acho que era uma unidade apenas administrativa) que ficava na rua São Joaquim. Cheguei lá, expliquei que queria tirar a segunda via pois o original havia se queimado no Joelma. Foi uma bobagem. Deveria ter falado apenas que tinha perdido.
O pessoal teve boa vontade e emitiram a segunda via na hora, sem antes o sargento de plantão me falar:
- Se você estivesse lá, gordinho desse jeito, você daria um belo churrasquinho!
Dei um sorrisinho amarelo e pensei que minha relação com o Exército jamais iria melhorar. Não tenho nada a ver com esse tipo de piadinha.
O Crefisul mudou-se provisoriamente para um prédio na famosa esquina da São João com a Ipiranga.
Ficamos alguns meses por lá e depois fomos para um prédio na Avenida Paulista.
E a vida seguiu. Fiquei no Crefisul até março de 1.979.
Interessante que, mesmo no Crefisul, o incêndio deixou de ser assunto, a não ser esporadicamente e em situações específicas.
De fato, independente das tragédias, a vida continua.
Em tempo:
Com 188 mortes, o incêndio do Joelma foi durante muitos anos o acidente de trabalho com o maior número de vítimas no Brasil.
Só foi superado pela Vale, já privatizada, em Brumadinho há 5 anos.
Vida que segue.
04/02/2024
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