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O resultado das eleições primárias na Argentina é horrível, porém tem um certo gosto de ironia.

A direita argentina está há anos organizada em torno de um movimento que mudou de nome, mas hoje se chama “Juntos por el Cambio” (Juntos pela Mudança), mas simplesmente JxC. Essa direita está literalmente coordenada por dois grupos de mídia, os dos jornais Clarin e La Nación, comparados com os quais a detestável Rede Globo parece mais à esquerda do que o Guardian e muito mais ponderada do que a BBC; até a discussão econômica da Globonews parece pós-keynesiana do lado deles! Como assumiu um falecido editor do Clarin faz alguns anos, eles praticam ‘jornalismo de guerra’.

Javier Milei, um desconhecido até poucos anos atrás, ficou em evidência pelos infinitos convites para participar em programas dos canais desses grupos. Era um negocio redondo: um desequilibrado fazia críticas ao peronismo e à esquerda mais fortes das que qualquer jornalista ‘sério’ poderia fazer, puxava o debate à direita, etc. (Qualquer comparação com fatos que levaram à eleição de certo presidente de um ‘país tropical abençoado por Deus’ são válidos).

Milei, o gênio tirado dela garrafa pela mídia, saiu candidato sem um partido efetivo para as eleições parlamentares da Cidade de Buenos Aires em 2021, e surpreendeu a todos, conseguindo 18%. A mentimidia (como é chamada) continuou lhe dando corda. Com o debate levado cada vez mais à direita, o truque parecia simples: se Milei ficasse terceiro com muitos votos, teria que apoiar @ candidat@ de JxC, representante da mídia e dos grandes grupos econômicos, num eventual segundo turno das eleições presidenciais.

(Observação: dentro de JxC nestas primárias concorriam um candidato de direita ‘civilizada’, Rodríguez Larreta, apoiado pelos poderes todos, e uma mulher de extrema-direita, Patrícia Bullrich, difícil de diferenciar de Milei nas propostas. O discurso de ódio semeado ao longo de todos estes anos deu uma vitória folgada a esta última, criando uma saia justa para as elites supostamente civilizadas; o único setor econômico que a apoiou abertamente foram os agricultores, algo que já vimos por aqui).

Vejamos o seguinte raciocínio ante das prévias: se os três partidos maiores obtivessem juntos 85% dos votos, e os votos se distribuíssem como as pesquisas levavam a acreditar, ficaria:

JxC 35%
Peronismo 30%
Milei 20%

Nesse caso, repetindo estes resultados no primeiro turno, no segundo Milei se juntaria a JxC, e ganhariam de lavada do peronismo.

Todavia, as primárias mostraram um resultado diferente (também os três juntos alcançaram 85%):
Milei 30%
JxC 28%
Peronismo 27%

Neste caso, JxC enfrenta um dilema: eleitores mais à direita podem fazer voto útil no Milei; eleitores moderados vão preferir o peronismo (mais ainda quando o candidato, Sergio Massa, é o peronista mais ao centro ou até centro-direita, aliado claro com o kirchnerismo) em lugar de um fascista maluco.

Veja que nem precisam ser grandes movimentos: a diferença entre JxC e o peronismo é muito pequena, e nada faz supor que este perca um voto para essas outras alternativas.

Para mim neste momento está pintando um segundo turno Milei x Massa. Os anos e anos de trabalho de Clarin e La Nación para devolver JxC ao governo após o desastre do Macri estão indo pelo ralo. Os eleitores decidirão, mas acho que ainda há alguma chance de a Argentina não afunde no pior dos buracos possíveis.

Professor Ramon Garcia-Fernandez

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