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A vitória de Trump ensina muito para o Brasil

Trump ganhou no colégio eleitoral por ampla margem; no voto popular por 5 milhões de votos; no Senado; e, ao que tudo indica, na Câmara. Na minha opinião, isso abre um novo momento na política dos Estados Unidos que ensina muito para o Brasil.

A política interna dos Estados Unidos no século XXI é marcada por uma profunda divisão interna e, com exceção da eleição de 2004, na esteira da Guerra ao Terror, os Republicanos sempre levaram no colégio eleitoral perdendo no voto popular.

Foi o caso, por exemplo, da primeira eleição de George W. Bush em 2000 conta o Democrata Al Gore. O republicano perdeu no voto popular, mas levou a eleição no colégio eleitoral porque ganhou os delegados da Flórida por uma diferença de menos de mil votos.

Como eu disse, no pós 11 de setembro, auge da Guerra ao Terror, Bush filho venceu a eleição no voto popular contra John Kerry, mas importante: por uma diferença menor do que Trump X Kamala até agora.

Em 2004, Bush venceu por 3 milhões de votos. Vinte anos depois, apuração ainda rolando, Trump abriu quase cinco milhões de votos de vantagem.

Vale frisar que é quadro muito diferente da sua primeira eleição, em 2016, quando perdeu no voto popular por cerca de 3 milhões de votos p/ Hillary Clinton.

A vitória acachapante de Trump, que venceu no senado e ao que tudo indica, vencerá também na Câmara, abala as interpretações de alguns setores liberais estadunidenses de que a extrema-direita só vence nos EUA porque usa os poderes contra majoritários para impor um governo de minoria.

Talvez o mais importante desses intérpretes, pela sua influência no Brasil, é o cientista político Steven Levitsky. No seu livro mais recente, “Tirania da minoria”, ele argumentava que os republicanos, especialmente os de extrema-direita, eram uma minoria nos EUA, e só venceram as eleições de 2016 e controlavam a Suprema Corte por vícios institucionais da democracia americana com seus poderes contra majoritários (o mais grotesco deles, o colégio eleitoral). Não está de todo errado, mas é uma interpretação claramente insuficiente.

E olhar para essas interpretações liberais é muito importante porque foram elas, a meu ver, que pautaram até agora as respostas à extrema-direita, nos EUA e no Brasil, colocando-as na chave da crise/ameaça da democracia e incitando frentes amplas de natureza democrática.

Foi essa a toada dos democratas pós-2016, tributando a derrota para Trump naquelas eleições a falhas da democracia como fake news, interferência externa, robôs de internet.

Para dar um exemplo, fotos que tirei de livros expostos em uma livraria de Nova Iorque quando estive lá alguns meses depois da derrota da Hillary Clinton. Já me chamava muito a atenção essa obsessão com a ideia de que eles perderam apenas porque a democracia não funcionou bem.

Foi esse quadro interpretativo que predominou, tbm, no Brasil pós-2018, inclusive pelo candidato derrotado, Fernando Haddad, que, no imediato pós eleição, foi para os Estados Unidos onde atribuiu a sua derrota basicamente às fake news e ao controle das redes pela extrema-direita. Isso ninguém me contou, eu mesma vi, num debate realizado na New School entre ele e o Varufakis, em que o economista grego insistia que, para recuperar sua hegemonia, os progressistas precisavam enfrentar os problemas reais da economia pós crise de 2008, neoliberalismo a frente.

E aqui chegamos a 2024. Kamala Harris estruturou sua campanha em torno do eixo da defesa da democracia. Seu último discurso falou em “luta pela liberdade”, enquanto o governo Biden segue neoliberal. Perdeu no voto popular, no colégio eleitoral, na câmara e no senado.

No Brasil, Lula foi eleito presidente por uma frente ampla(íssima), tbm estruturada em torno do discurso de defesa da democracia. Dois anos depois, acaba de perder as eleições municipais, enquanto seu ministro da fazenda, Fernando Haddad, preparava um pacote de corte de gastos.

Em suma: ou mudamos a chave para entender a ascensão da extrema-direita – da política para a economia política – ou vamos seguir de derrota em derrota até o apocalipse que, sim, hoje ficou um pouco mais próximo.

Uma resposta

  1. A implantação do modelo neoliberal no Brasil esta longe de ser contida. Haddad segue firme na crença da razão da faria Lima. É possível uma guinada antiliberal?

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