Normalização da iniquidade. É o mínimo que podemos dizer de uma postagem na conta oficial do presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no Facebook, publicada às 23h05 de terça-feira, 5 de março.
Diz o post: “Hoje recebi no Alvorada o presidente do Senado Rodrigo Pacheco, lideranças da Casa e ministros do governo. Conversamos sobre o Brasil e a agenda legislativa do governo para esse ano”.
A linguagem de gênero nem foi necessária na mensagem. Aliás, seria imprópria, porque não havia uma única ministra mulher na reunião e, consequentemente, na foto que ilustra a publicação.
Artista que é no seu ofício, o fotógrafo presidencial, Ricardo Stuckert, clicou do alto, luz perfeita, ângulo impecável. Seus 20 modelos, dentre as quais apenas uma parlamentar, sorridentes.
A postagem ilustra dois problemas.
O primeiro é a ausência de mulheres do governo em uma reunião para discutir “o Brasil e a agenda legislativa do governo para esse ano”. Mas, para além dessa exclusão, que já é em si complicada, a assessoria do Presidente resolveu postar a foto, com destaque, na semana da mulher. Ambas as decisões, vale frisar, contribuem para a normalização da desigualdade e minimizam a importância da luta feminista na semana da mulher.
É impossível olhar a postagem e não se perguntar: como algo assim pode passar por tantos filtros? Funcionários de confiança — será que havia funcionárias no grupo de decisão também? — montaram essa reunião; decidiram quem seriam os convidados; armaram aquela foto que se assemelha, pelo desequilíbrio, à posse de Temer, e decidiram publicar para o mundo machista e patriarcal se regozijar.
Aqui, vale notar que, durante o governo Bolsonaro, era uma tática deliberada do governo, na semana da mulher, fazer atividades, inclusive discutindo a questão, com mesas e reuniões compostas exclusivamente por homens. Num contexto em que a polarização impõe a dinâmica da disputa política, o planalto não deveria buscar se diferenciar das práticas do monstruoso governo anterior, especialmente considerando o papel desempenhado pelas mulheres e pelo movimento feminista na eleição de Lula?
Sabemos que a eleição de 2022 nos brindou com um Congresso de apenas 18% de deputadas, o que coloca o Brasil como um dos piores países do mundo em termos de equilíbrio de gênero no parlamento. Por isso mesmo, era o executivo quem deveria dar equidade ao debate “sobre o Brasil” convidando para a reunião o seu primeiro escalão que não usa gravata. Até porque, se queremos construir um Brasil mais democrático, é absolutamente fundamental começar por democratizar os que debatem e decidem sobre a política do país.
Isso não é identitarismo, como muitos gostam de apontar, minimizando a importância da luta por representatividade como forma de democratizar o poder e a sociedade. Isso é decisão política que reconhece que a luta contra estruturas profundas de dominação, como o patriarcado, tem, nesses momentos simbólicos, uma trincheira fundamental.
É profundamente desanimador e frustrante que esse descaso com a luta feminista, na semana da mulher, se dê no terceiro governo de Lula, quando esperávamos ter superado a misoginia que nos assolou com Temer e Bolsonaro.
Essa foto gera repulsa por tudo de retrógrado que ela significa. A imagem nos leva à constatação de que o 8 de março segue tão necessário quanto há muitas décadas.