13 de junho de 2013: para mim, de todos os dias daquele junho, este foi o mais importante. Foi o dia da grande repressão policial em São Paulo que entornou o caldo. Segue uma parte da reflexão que escrevi para a Revista Esquerda Petista sobre junho de 2013 em janeiro deste ano.
As manifestações de junho de 2013 completarão 10 anos este ano. A efeméride, por si só, já justificaria uma reflexão sobre o tema. Mas a semelhança entre as imagens de uma multidão “tomando” o prédio do Congresso Nacional, em junho de 2013 e na tentativa de golpe em 08 de janeiro deste ano de 2023, colocou o assunto na pauta com ainda mais intensidade.
A semelhança não é de todo casual. Durante a preparação dos ataques de 08 de janeiro, circularam nos grupos de WhatsApp golpistas muitas imagens das marquises do congresso tomadas pela multidão em junho de 2013. Os takes favoritos eram os que centralizavam as poucas bandeiras do Brasil presentes à época e os que, por feito das sombras, neutralizavam as camisetas vermelhas que se destacavam, por contraste, na multidão. Acompanhadas de convites mais ou menos explícitos para a “tomada do poder”, as imagens mobilizadas sugerem que os manifestantes de 2013 serviram, de fato, de inspiração para os golpistas de 2023.
Essa reivindicação de filiação reforça uma percepção bastante difundida em certos setores da esquerda brasileira, de que junho de 2013 foi, desde o seu início, um protesto majoritariamente “reacionário”. Nessa visão, as grandes derrotas sofridas pela esquerda a partir de 2015, em especial o golpe parlamentar, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro, devem ser postas na conta dos protestos de junho.
Essa perspectiva que considera 2013 uma espécie de “ovo da serpente” é reforçada por uma leitura internacionalista que pautada pela noção de Guerra Híbrida, enfatiza – por vezes de maneira exagerada – a semelhança entre 2013 e várias outras manifestações urbanas ocorridas mais ou menos na mesma época, no que ficou conhecido como “revoluções coloridas”.
Ao colocar toda a agência dos protestos no exterior, essa visão considera que eles foram, em essência, reflexo de interesses imperialistas no país, reforçando uma leitura extremamente negativa daquele movimento. Por fim, a força dessa visão negativa se explica, também, pela histórica divisão tática e estratégica entre setores mais institucionalizados da esquerda, em especial os que apostam na centralidade da forma partido e da disputa do Estado e setores mais anarquistas, que se pautam por outras formas de organização, mais próximas da horizontalidade e da ação direta individual.
Essa divisão foi especialmente forte em 2013, quando a esquerda partidária, representada especialmente pelo PT, estava de um lado da trincheira, ocupando postos no governo em muitos dos lugares em que os protestos foram mais fortes, ao passo que o campo autodenominado autonomista, com o Movimento Passe Livre (MPL) à frente, estava do outro, liderando as manifestações até sua massificação, em 17 de junho.
A incompreensão mútua entre esses dois polos fortaleceu, nos setores mais institucionalizados da esquerda brasileira, a leitura de que junho de 2013, por se voltar “contra os governos do PT”, produziu um processo político reacionário urdido pela direita.
Essa tese do “ovo da serpente” é tentadora, mas a meu ver, equivocada. Equivocada porque desconsidera que as manifestações, até pela sua magnitude, foram acontecimentos complexos, por vezes contraditórios, cujo significado não estava dado neles mesmo, desde o seu início, mas dependia essencialmente das disputas que se travariam no seu desenrolar.
Dessa perspectiva, para entender realmente o que foi junho de 2013, é preciso abandonar uma leitura fatalista que, mitificando ou condenando aquele movimento, assume que seu desfecho era inevitável, sendo apenas o desdobramento de tendências inerentes.
Numa outra chave, defendo uma visão mais política que, aceitando o caráter contraditório de 2013, assume que seu significado estava (e permanece) aberto, enfatizando, por isso mesmo, a necessidade de disputá-lo. Para essa visão, antes de condenar ou mitificar junho de 2013, era (e é) preciso entender aquele movimento nos seus diferentes vetores de força para, assim, incidir sobre seus desdobramentos.
Isso implica abandonar visões estereotipadas, tanto da parte daqueles que condenam junho de 2013 pelas razões já apontadas, quanto dos que considerando-o expressão genuína de uma indignação popular amplamente progressista atribuem o seu desfecho negativo apenas à incompreensão e à intransigência da esquerda institucional, liderada pelo PT. Na prática, proponho entender junho de 2013, antes de tudo, como um conflito socialmente determinado, mas politicamente aberto, ao mesmo tempo complexo e permeável à disputa.